"Os Contos de Hoffmann" no Teatro Nacional de S. Carlos

Já com grande atraso (estamos na véspera da estreia da Tosca, enfim!), aqui vai o meu comentário a esta produção do mês transacto da ópera de Jacques Offenbach no nosso teatro nacional. Devo dizer (e com algum desagrado, confesso, pois me custa tecer comentários menos agradáveis sobre colegas) que foi com alguma surpresa (positiva) que recebi a notícia de que Richard Bauer fora substítuido à última da hora (por motivos de doença, disseram!) no papel que dá nome à ópera. Honestamente, quem leu o meu comentário sobre a última produção do Rigoletto neste mesmo teatro sabe o que achei sobre este tenor, que, não tendo uma voz feia de todo, me parece carecer de segurança e de determinadas qualidades que me parecem essenciais para cantar a este nível. Enfim, substituído na véspera, mas ainda a tempo!

Assim sendo, assisti a um Hoffmann cantado por Jean-Pierre Furlan, que, não se tendo distinguido como cantor notabilíssimo, cumpriu o díficil papel de cantar quatro óperas numa só. Maior distinção deverei oferecer, por semelhante dificuldade, a Johannes von Duisburg, que, ao que parece, estava em dia bom, pois agradou-me bastante nos papéis de “maus-da-fita”. Passando para as senhoras, temos quatro vozes diferentes como a noite e o dia e quatro comentários que fazem jus à diferença. Outro papel que canta quatro óperas numa foi o interpretado por Stephanie Houtzeel (La Muse/Nicklausse), que me agradou sobremaneira. Uma voz que, não sendo de enorme dimensão, encheu razoavelmente bem a sala e soube conter-se quando assim foi necessário (ver mais à frente). A nossa Olympia de serviço, Chelsey Schill, cantou bem, mas representou melhor. Também, verdade seja dita, aquele tipo de ária de coloratura estratosférica consome-me os nervos e turva o meu julgamento. As minhas desculpas pela subjectividade. Já o meu enorme e imenso aplauso vai para a intérprete da infeliz Antonia, Maria Fontosh. Uma voz magnífica, uma interpretação fantástica, realmente um momento altíssimo da noite. Noite essa que perdeu brilho quando começou a famosa “Barcarolle”. Que desilusão, meus senhores! Foi neste momento que Stephanie Houtzeel teve que se conter, tudo porque a voz de Riki Guy, a Giulietta, simplesmente não se ouvia! Não sei, honestamente, se estava doente ou se é mesmo assim. Mas a voz dela era demasiado pequena para o papel, que ficou algo comprometido com isso. Talvez fosse do extremamente apertado corpete que a senhora escolheu para figurino. Enfim, pelo menos estava elegante!

Chegou a altura de tecer o habitual elogio à representação lusitana deste elenco, que era efectivamente considerável: começando pelo meu amigo Diogo Oliveira, que passou a noite “bêbado” no papel de Wilhelm: muito bem, amigo, quase me fizeste acreditar que decidiste abandonar a tua postura abstémia! Continuo à espera de ver a magnífica voz deste jovem barítono entregue a papéis que estejam realmente ao seu nível. Esse dia chegará...

Maria Luisa de Freitas cantou muito bem a Voz do Além (ou a mãe de Antonia). Em prestações muitíssimo valorosas estiveram também José Corvelo (Luther), Marco Alves dos Santos (Nathanaël), João Merino (Hermann), Pedro Chaves (Spalanzani), Rui Baeta (Schlémil) e Ciro Telmo (Capitão). Mas a minha última palavra de apreço terá que ir, sem dúvida, para o português que cantou quatro óperas em uma, nos papéis de Andrès / Cochenille / Frantz / Pitichinaccio, o nosso tenor de sempre, Carlos Guilherme, a quem S. Carlos se rendeu. Foi divertido, cantou muito bem, interpretou melhor e fez-me sorrir. Muito bem!

Resta-me esperar por amanhã, pela estreia da minha ópera favorita. Aguardo com ansiedade as surpresas que nos reservam esta produção moderna de Antuérpia da minha Tosca. Ansiedade crescente, mesmo... E algum receio... :-)

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