O nosso Conservatório Nacional de Lisboa

Mais uma vez me vejo compelida a citar o nosso distinto compositor e professor Eurico Carrapatoso pelas razões mais lamentáveis: o negro futuro que se perspectiva para o nosso Conservatório:
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O futuro do nosso Conservatório Nacional não tem as melhores perspectivas. A ministra da Educação, numa óptica estritamente economicista, parece considerar incomportável o ensino da música ali exercido, suportando as suas opiniões na ressonância de uma comissão de especialistas doutorados que, também numa óptica estritamente economicista, lhe sugere, entre outras soluções, a implementação das aulas colectivas de instrumentos [com 10 trompetes de cada vez ou com 10 cantores(não confundir com coro)], para acabar de vez com o ratio insustentável de 1 professor para 1 aluno; comissão essa que também lhe sugere a subtracção do direito às aulas aos alunos em regime supletivo, ou seja, àqueles que buscam efectivamente, após o chamamento da sua vocação, a cultura numa das suas formas mais cristalizadas - a música - seja como complemento legítimo à sua educação e plenitude espiritual, seja como investimento sério e responsável numa perspectiva de futuro profissional, e,assim, canalizando o ensino da música apenas para o regime integrado e articulado, a começar aos 10 anos de idade. Temos de concordar com a ministra e com aquela comissão: esta é, de facto, a idade típica, diria mesmo ideal, em que a criança (que entretanto já terá lido e interpretado Kant na primária) está no ponto de ouro para discernir sobre a sua inquestionável vocação instrumental (Mãe: quero o fagote! De forma alguma violeta, já disse!); e também na idade de se responsabilizar pelos seus actos, dando o passo grave, e, a partir daí, suportar todas as consequências do sentido do passo dado.
O Conservatório já sobreviveu a muitas situações desde a sua fundação: sobreviveu à Maria da Fonte, ao Setembrismo, às convulsões do Ultimatum e aos consequentes fervores republicanos. E sobreviveu ao regicídio e à transição de Regime; e resistiu ao fascismo e à economia de duas guerras mundiais; sobreviveu à guerra do Ultramar, ao verão quente de 75 e ao Cavaquistão. E há-de sobreviver ao Governo de Sócrates.
Comecei a escrever uma lista de alunos e ex-alunos do Conservatório Nacional de Lisboa que seguiram (ou seguem) com sucesso a profissão da música (por ordem alfabética de apelido). A lista foi crescendo aos poucos consoante ia crescendo o meu orgulho por ser professor numa casa que, com mãos tão generosas, deu frutos tão sumarentos à cultura da subtileza de Portugal.
A cultura é a alma de uma nação. O seu valor é incalculável. Não se mede por números, Sra Ministra.
Mas, se este Governo hiper-liberal só pensa em números, então vamos fazer crescer os números desta lista aberta. Responde se não viste o teu nome incluído: hoje são 300 nomes; amanhã serão 3 000.
Apelo aos colegas do enorme Conservatório do Porto: fazei também uma lista das mãos e dos frutos dessa instituição e incluí, se não vos importardes, o meu nome. Se os números forem impressionantes talvez a ministra pense duas vezes antes de a sua obstinação acelerar.

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A lista "As mãos e os frutos do Conservatório Nacional de Lisboa" está disponível para download aqui.

Comentários

Anónimo disse…
Esta situação é de facto humilhante.
Não que eu ache que o sistema vigente na EM do conservatário nacional seja o ideal, mas segundo o que contou no texto, isto é inadmissível!
Em relação à lista... faltam alguns colunáveis...seguiram a musica com sucesso, e usufruiram do conservatório para tal!
o Nuno Guerreiro, a Teresa Salgueiro, Maria Ana Bobone, entre outros...
Olindo Iglesias disse…
Mas eu pensava que o governo era Socialista?

Ainda bem que não votei neles senão ter-me-ia sentido enganado.

Sofia... desculpa a farpa, mas não resisti.
Mainevent disse…
A farpa não foi para mim, com certeza, pois eu também não votei neles... :-D