Londres 2007 e Les Miserábles

Tower Bridge

Aproveitando o aniversário do meu companheiro e juntando-lhe a vontade com que eu já andava de regressar a esta cidade que adoro, deslocámo-nos no último fim-de-semana a Londres. A prenda de aniversário propriamente dita eram dois bilhetes para a quinta fila do “Queen’s Theatre”, onde assistimos ao fabuloso musical “Les Miserábles”, no que para mim já perfazia a terceira vez que assistia a esta obra-prima. Reconheço que a apreensão que sentia pelo facto de este ter mudado residência para este teatro era alguma, no entanto pude aferir que era um temor sem fundamento. O musical continua com a qualidade elevadíssima que sempre lhe conheci, tanto em interpretações como cenicamente. Mas deixemos os comentários sobre “Les Mis” para mais tarde, neste artigo que junta descrição de viagem com nota de espectáculo.

A viagem propriamente dita não foi longa, resumindo-se a um dia e meio de expedição por terras londrinas. Com o atraso que o avião de ida sofreu devido ao mau tempo já habitual do país de Sua Majestade, chegámos a Londres já de noite, se bem que ainda só fossem 15:30h. O hotel escolhido, o “Ambassador Earl’s Court” perto de Gloucester Road revelou-se um razoável compromisso entre qualidade e preço, localizado numa zona muito agradável, de habitações elegantes e carros caros estacionados à porta. Escusado será dizer que a temperatura que se fazia sentir nos corredores e no quarto era para lá de elevada, o que me pareceu excessivo. Para que se esteja em conforto dentro de portas, não me parece indispensável que se durma dentro de um forno.

A escultura de Eros em Picadilly Circus
O primeiro passeio levou-nos desde uma agitada Picadilly Circus através de uma não menos desvairada Leicester Square até desembocar em Covent Garden, que, se bem que mais calma que as supracitadas localizações, também fervilhava com a vida a que as noites de sexta em Londres já nos habituaram. Após um vespertino jantar num pub perto do mercado de Covent Garden, apanhámos o metro para Farringdon e dirigimo-nos ao Murphy’s Karaoke Restaurant & Bar, onde esperávamos saciar o nosso velho vício da cantoria. O bar revelou-se uma imensa desilusão em termos de karaoke. Se calhar somos nós que estamos demasiado habituados ao nível que se pratica em Portugal. Mas não me parece exagero dizer que um bar que se chama a si próprio “bar de karaoke” e que não tem senão playbacks que são na realidade uns midis muito manhosos, acima dos tons originais em que se cantam as músicas, a tocar em sequência para quem quiser agarrar no micro, é mau. Se calhar os japoneses gostam, pois é esse o conceito original e, pelo menos, quem pedia uma música específica merecia alguma distinção das massas. Mas as exigências ocidentais obrigavam a uma maior qualidade. O meu companheiro foi esperto e manteve a boca fechada, mas eu fui cantar e mais valia ter estado quieta. Será que em Londres nunca ouviram falar da Sunfly?
Tower of London
No dia seguinte, fui mostrar algumas das vistas mais famosas de Londres ao Ricardo, pois o dia anterior já tinha sido suficiente para uma bela má primeira impressão. É curioso como Londres pode continuar a ser a minha cidade preferida, aquela que eu elegeria como a minha casa se algum dia decidisse deixar Portugal, e continuar a trazer algo de negativo para comentar sempre que lá vou. Mas mantenho aquela sensação de “eu digo o mal que me apetecer, mas que ninguém me venha dizer mal de Londres a mim!”. Enfim, levei o meu aniversariante a conhecer a Torre de Londres. Os olhos dele brilharam mais que as Jóias da Coroa e apreciou o armamento em exposição.
Big Ben
Dali, levei-o até à Exit 3 da estação de metro Westminster, que produz aquele fantástico impacto de ver o Big Ben bem em cima de nós, gigantesco e majestoso, e que é infalível de causar grande impressão. Circundámos as Houses of Parliament, passámos à porta da Westminster Abbey e seguimos para St. James, onde atravessámos o respectivo parque, maravilhados com o à-vontade e o atrevimento dos esquilos, até desembocar à porta do Palácio de Buckingham. Entretanto faziam-se horas de levar as compras para o hotel e dirigirmo-nos ao Queen’s Theater para a récita de “Les Miserábles”.

Escusado será dizer que este musical me tira do sério! Desta vez consegui não me derreter em lágrimas como das outras vezes, mas também já era a terceira vez que o via em Londres. Mas com o maior dos prazeres me sentaria todos os dias na quinta fila da plateia e assistiria ao suceder daqueles cantactores fantásticos e absolutamente maravilhosos e ouviria, extasiada, aquelas brilhantes peças musicais de Claude-Michel Schonberg. Uma nota a cada um dos intérpretes:

- Tenho pena de não ter retido o nome do cantor que substituiu o previsto Jean Valjean nesta noite (Jacob Jacobson, seria?). O que é verdade e precisa ser dito é que foi magnífico, absolutamente sublime na sua interpretação deste homem sofrido que devia ser canonizado! O seu “Bring Him Home” arrepiou-me sobremaneira.
- Hans Peter Janssens tem tudo o que um Javert precisa: rigidez, força na actuação e uma voz marcial absolutamente fantástica. Adorei de paixão a interpretação dele do meu polícia mauzão favorito.
- Sophia Ragavelas comoveu-me com a sua pobre Fantine. O “I Dreamed a Dream” foi simplesmente des-lum-bran-te!
- Chris Vincent fez-me rir, como seria impensável o contrário, com o seu Thénardier. Mas principalmente, apreciei a forma como ele cantou muito bem este papel de carácter, papel esse em que a voz é muitas vezes sacrificada ao humor. Ele manteve ambos, e ainda bem.
- Tracie Bennett fez uma antipática e de “ir-às-lágrimas” Madame Thénardier. Parabéns à maquilhagem, que transformou uma mulher lindíssima num perfeito estafermo!
- Jon Lee no Marius criou-me algumas dúvidas iniciais sobre se gostava da voz dele ou não. Em “Empty Chairs in Empty Tables” essas dúvidas praticamente se dissiparam: a voz é muito bonita, é um actor extraordinário, só não sei é se os agudos dele não serão demasiado lisos.
- Simon Bailey fez um Enjolras que me deixou de queixo caído; personalidade forte e voz absolutamente extraordinária, fez brilhar para lá das estrelas este papel secundário!
- Gina Beck foi uma Cosette bonita e doce, com uma voz a condizer e agudos muito seguros.
- Sabrina Aloueche foi uma maravilhosa Eponine; voz doce, interpretação admirável, para um papel que se quer forte, mas cativante. Ela conseguiu tudo isso e muito mais.

Em suma e resumindo, pois não há palavras que descrevam a experiência que é assistir a esta obra-prima ao vivo, sob pena de dizer menos que o merecido, recomendo a toda a gente que ainda não viu que veja, assim que puder. Já lá vão 21 anos em cena. Quanto tempo mais aguentarão as barricadas o poder opressor da guerra da disponibilização de teatros em Londres?
Pints

Um bife na Aberdeen Steak House encerrou este capítulo londrino. Uma última nota de descontentamento para o excesso de zelo das autoridades do aeroporto ao considerarem uma mala de senhora um artigo de bagagem de mão e obrigarem-me a enviar o meu necessaire para o porão. As regras são para se cumprir e vivemos momentos que não são para tomar de ânimo leve, mas a discrepância de critérios ou de interpretação dessas mesmas regras que podemos verificar de aeroporto para aeroporto causam-me alguma irritação. Pelo menos não nos trataram como potenciais terroristas, como me constou que é apanágio de outro(s) país(es) do outro lado do Atlântico.

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