Cultura – espécie em vias de extinção

Custa a acreditar, quando lemos as notícias hoje em dia, que a cultura seja uma entidade que ainda venha a existir neste mundo que estamos a preparar para as nossas crianças. De corte orçamental em corte orçamental, será difícil que esta espécie em vias de extinção e sem instituição de recuperação por detrás venha a ser vista a deambular pelas ruas num futuro próximo. Temos vindo a assistir ao longo dos anos a um lento assassinar desta pobre criatura indefesa e sem meios de subsistência próprios. Teimosamente, vai-se mantendo viva, mas não é ente para conseguir sobreviver ante tais constantes sevícias governamentais. Para começo de conversa, lembro-me de ouvir falar, num passado medianamente recente, da extinção da Orquestra das Beiras e da exterminação do Ballet Gulbenkian. Mais recentemente, assustei-me com os valores dos chamados cortes orçamentais para determinadas entidades culturais. Neste país onde tudo é posto à frente daquilo que nos coloca um sorriso no rosto e nos dá vontade de nos levantarmos da cama pela manhã e parafraseando Woody Allen, para acabar de vez com a cultura penso que seria mais piedoso dar-lhe um tiro na cabeça de vez e pôr termo à sua miséria. Pois senão, veja-se: mediante um corte orçamental de 600 mil euros, o CCB decidiu não realizar a Festa da Música no próximo ano. A minha pergunta inocente é: se o Centro CULTURAL de Belém não tiver dinheiro para produzir CULTURA, então, meus senhores, ele serve exactamente para quê? A minha proposta, para que todos saiamos de cara lavada, é que se mantenha a sigla, mas que o transformemos num Centro COMERCIAL de Belém, porque, mal ou bem, com crise ou sem crise, parece que para fazer compras há sempre dinheiro. E para além disso, o Natal está aí, o que, parecendo que não, sempre permitirá que alguém saia com os bolsos bem cheios de dinheiro com toda esta história. Quem parece não ter bolsos sequer é a moribunda Cultura. E mesmo que os tivesse, não tinha nada para lá pôr dentro.
Mas, verdade seja dita, há sempre uma ténue luz nos olhos desse animal que nos observa em silenciosa agonia, na pessoa daquelas instituições que inconvenientemente teimam em sobreviver após duras sessões de chicotada. O Teatro Nacional de S. Carlos afirma que, mesmo com menos 682 mil euros no orçamento, os oito títulos previstos para a próxima temporada manter-se-ão. É uma esperança para esse triste ser ferido de morte e agonizante: o de ainda haver quem queira continuar a progredir por esta estrada escura que nos leva, quiçá, a um muro ou a um abismo.
Ainda voltando a Belém, a “Festa” foi substituída pelos “Dias”, sendo que os “Dias” custarão um terço do que custaria a “Festa”. Matematicamente falando, teremos uns “Dias” que serão um terço de “Festa”. É pobrezinho, até porque me parece que dificilmente alguém se conseguirá divertir sabendo que a “Festa” foi cortada em fracções, dando lugar aos “Dias”, que são três vezes menos “Festa”. Mas, parando por aqui antes que isto se torne numa bola de neve de disparates, em breve flashback temporal à altura em que se anunciou a construção do CCB, lembro-me que Rosa Lobato Faria escreveu e Herman José cantou: “Vamos fazer um grande Centro Cultural, bem à medida da Cultura em Portugal!” Devia, então, ser XS e assim, pelo menos, os Jerónimos viam-se do rio…

Comentários

BlueTraveler disse…
Ó minha comunista refilona...

Dinheiro para a cultura para que?

Para as pessoas além de pobres, ainda terem consciência que são pobres?

Não sabes que o conhecimento é a pior arma que se pode dar ao povo?

Assim, somos todos pobre mas felizes por sermos... Temos futebol, temos playboy, temos... acho que ainda temos qualquer coisa mais por ai mas agora não me lembro :P

Vá agora a sério. Como é óbvio sou contra esses cortes, mas por outro lado, já há muito tempo defendo que a cultura já devia ter aprendido a sobreviver por si só. A cultura, as nossas associações têm de acompanhar a evolução das tendências do ser humano. Os horários começam a ser incompatíveis com o das pessoas. Quem é que as 21h30 consegue ir ao teatro??? Principalmente quem tiver filhos? E já agora onde os deixar? Deverás agora dizer que podiamos seguir o exemplo dos paises nórdicos e criar um "OTL" no teatro para os pais poderem deixar os filhos quando vão assistir ao espectáculo? Isso foi tentado nos centros comerciais e já fecharam (olha o C.C. Vasco da Gama).

Infelizmente é lixado combater essas tendências... Mas o que me lixa mesmo, é que assim vemos verdadeiramente quem trabalha e quem é só subsídio-dependente. Por exemplo a ACERT já teve vários cortes, inclusivê um à 2 anos que cortaram para metade o subsídio, e curiosamente, para fazerem frente as dificuldades económicas, tiveram de trabalhar muito mais (e eles já trabalhavam mais de 8 horas diárias) e estrearam ainda mais peças do que aquelas que inicialmente queriam. E claro receberam mais € das bilheteiras. Pagando assim o investimento.

Tudo isto para dizer que... Esta na altura da cultura crescer um cadito.
Mainevent disse…
Sabes, eu na realidade até concordo contigo, que a cultura já devia sobreviver por si própria, quanto mais não seja para eliminar de vez aquela imagem de "a coitadinha que se não lhe dermos dinheiro não vai a lado nenhum". Mas a realidade é que a maior parte dos espaços culturais não sobrevive só de bilheteiras, sem sequer estas chegam para colmatar metade das despesas. Porque senão, das duas uma: ou se deixa de pagar aos artistas e estes têm que procurar um emprego honesto, e é se quiserem, ou então montam-se exclusivamente produções de baixíssimo orçamento. E nem todas as instituições podem fazer isso, como compreendes. Já imaginaste um S. Carlos a montar uma ópera sem cenário, sem figurinos, sem orquestra, e na volta, sem cantores? Mas já o nosso ditador preferido dizia: "Se não posso pagar a quem chora, como vou pagar a vocês, que cantam?"
Ricardo disse…
não precisamos pensar muito nem ter grande "cultura" social para perceber que vivemos acima de tudo numa época em que:
1. instituições públicas mas também privadas têm que ter frotas novas regularmente - a imagem conta;
2. os estádios, os jogos e desafios, as partidas e derbys são imperdíveis, faça chuva faça sol. Os dinheiros públicos envolvidos são astronómicos - o povo conta;
3. os programas televisivos tornaram-se cúmplices dum provincianismo e dum "popularochismo" de tal forma grande que ofuscam por completo toda a história da Humanidade, quer cultural quer social - o dinheiro conta;

Que tal se pensássemos que as duas opiniões se complementariam bem uma à outra? Explico:
que tal se um casal sentisse menos revolta se pagasse um bilhete duma qualquer peça/espectáculo um pouco mais caro ( que consequentemente agradaria mais à produção e ao artista) do que sente por pagar por uma ida à bola ou um jantar num qualquer restaurante "in"?...

e que tal se os dinheiros públicos fossem mais canalizados para necessidade básicas do ser humano (saúde mas também manifestação cultural) e fossem menos atribuídos a reformas e contratos absolutamente inacreditáveis?

e que tal se houvesse mais contenção em ofuscar os sentidos exteriores e menos contenção em alentar os interiores?

em resumo:
q pena perdermos o "sete às nove"...
era bom sentir que havia cultura à disposição e ainda por cima de borla...
era sentir que ainda há quem cuide do povo...
era caminhar noutro trilho paralelo ao da bola e da televisão...

e isto nada tem de político, nada tem de esquerda...
BlueTraveler disse…
Pois, isso tens razão... No entanto, infelizmente o que se safa e se paga a si mesmo são as grandes produções... Aquelas que aparecem na toyotabox e afins... porque sabem usar o mercado paralelo para pagar o resto. Vendem cd's, isqueiros, t-shirts, sweat-shirts, cuecas e até outros objectos que não poderei referir aqui pois poderá ser lido por menores...

A questão é... Porque é que essas se safam e as outras não??? Qualidade de espectaculo? ou saberem vender o espectáculo?
Mainevent disse…
Boas máquinas de marketing, a qualidade torna-se secundária. Não se consegue marketizar dessa maneira ópera ou espectáculos eruditos que se queiram de qualidade superior. Senão, acabamos apenas com "Aida's" pirotécnicas no Pavilhão Atlântico. Nem sequer dizem quem canta na comunicação social... Nem quero saber...