O triunfo de Toy em compasso três por seis

Com o devido reconhecimento ao autor das palavras que compõem este artigo de hoje, o compositor Eurico Carrapatoso, deixo-vos com o enredo "O triunfo de Toy em compasso três por seis".

"Viva!

Citando Toy (vd. o excerto anexado): "Nunca tive outra opção que não fosse a música: tirei um curso geral secundário de Administração e Comércio, ligado à contabilidade, que ainda hoje não me serve para nada porque a única matemática com que me entendo é a matemática da música: o três por quatro, o quatro por quatro, o três por seis ". Neste momento, na secção três por seis, boutade que tem tanto de notável quanto de alvar, eu tive um sentimento misto de comiseração cristã e de gozo mafarrico, debruado em citações de Groucho Marx do tipo "Se tivesse um cavalo, chicotear-te-ia!"

Mas a culpa não é do Toy. De facto, a revista da SPA, a putativa revista dos autores portugueses, é que ultrapassou todas as expectativas quando lhe deu, na sua última edição, um espaço de 3 páginas inteiras, numa entrevista de fundo onde triunfa de novo o prosaico, a anedota, e o boçal.

E é nestas ocasiões que reflicto sobre alguns assuntos, tais como:
1. Abandonar pura e simplesmente a instituição que me representa como autor e que, simultaneamente, me emporcalha.
2. É também nestas ocasiões que, finalmente, consigo perceber melhor o carácter profundamente antidemocrático das afirmações de Fernando Pessoa quando se refere ao povo na sua prosa metálica e contundente.
3. De quantos anos vai precisar ainda a SPA para perceber que, chamar compositor ao Toy, é o mesmo que chamar neurocirurgião ao bruxo de Nozelos ou ao curandeiro de Arruda dos Vinhos. Que uma coisa, é o conhecimento paciente e extremamente exigente, por via erudita, de matérias da mais alta transcendência, quer na sua forma, quer no seu conteúdo, conhecimento esse sustentado em dezenas de anos de estudos, de subtilezas universitárias, de pesquisas, de leituras, de contactos, de discussões, de seminários, de conferências, de descobertas, de progressos, de triunfos pessoais tantas vezes projectados num alcance benemérito do qual a sociedade é a primeira beneficiária. E que outra coisa, bem diferente, é o conhecimento castiço herdado por via popular de mezinhas e outras intuições (do tipo 1ª, 2ª e 3ª posições no violão), que nos merece uma simpatia condescendente, mas que tem o valor que tem e apenas esse. E isto não é pedantismo. Poupem-me. Citando o outro, " É a Cultura, estúpido!" "

Eurico Carrapatoso
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E agora, o artigo da revista da SPA em questão:

"António Ferrão, aliás Toy, considera-se uma pessoa "de afirmações, não de perspectivas" e por isso, em pequeno, nunca dizia "eu gostava de ser cantor", mas sempre "eu vou ser cantor". O destino fez-lhe a vontade e, aos onze anos já cantava, integrado no elenco de um grupo de teatro de Setúbal. "Fui um péssimo actor, mas penso que na música as coisas funcionavam bem", conta. Aos 17 anos apaixonou-se por Tina, a mulher com quem vive desde então. "Como sempre fui um homem de impulsos, fui para a Alemanha para casar com ela", conta. Ficou por lá 8 anos, e foi lá que gravou o primeiro disco, mas assim que pôde regressou à sua terra, determinado a fazer aquilo que foi sempre o seu sonho: "Nunca tive outra opção que não fosse a música: tirei um curso geral secundário de Administração e Comércio, ligado à Contabilidade, que ainda hoje não me serve para nada porque a única matemática com que me entendo é a matemática da música: o três por quatro, o quatro por quatro, o três por seis..."
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Comentários

NoHope disse…
Acho muito bem que os compositores aprendam a matemática do Toy. Esses pedantes que acham que, lá porque percebem o que o número de cima e o número de baixo significam, o compasso 3 por 6 não é válido. Ora muito pelo contrário, na matemática, e não somente a de Toy, 3 por 6 é igual a 2 por 4 e, que eu saiba, este é válido. A partir deste momento podemos afirmar com confiança que o 1 por 2, o 2 por 4 , o 3 por 6, o 4 por 8, o 5 por 10 e assim sucessivamente são matematicamente equivalentes e apenas reflectem as possíveis subdivisões dos ditos compassos. Aliás os compassos são secundários. O que realmente interessa é a música. E essa, a de toy, diferente de tudo o que já ouvimos quer na vertente ligeira quer na vertente erudita, demonstra que estamos perante um dos maiores compositores portugueses. Arriscaria dizer que é um dos que mais compõe. Assim, para um contabilista, mais é melhor. Tal como qualquer pintor de casas lhe dirá quando comparado com outros tipos de pintores mediocres como Dali ou Van Gogh, que tem muito menos metros quadrados pintados.